Chegou Setembro. Não entendo bem como, mas olhem para ele, é bebé e já mexe. E eu a comportar-me como grávida que dá à luz contrariada e olha incrédula e enojada a peça que saiu de si. Nada sente além de estranheza, não há voz do sangue, não estende braços a examinar a criatura e que importa se é ou não perfeita, que sexo tem, ou a cor do cabelo seboso: não a quer. A natureza fez um trabalho que a vontade não deseja. Vai sair como entrou (não exactamente igual): sozinha e por seu pé; havendo meios, desembaraça-se logo ali do estorvo. Deixa-o para trás como qualquer saco que se esquece (pensa ela). Assina papéis, dá-o para adopção. E eu igual com Setembro. Podendo.
A realidade factual de Setembro deixa-me perplexa. Que diabo andei fazendo que me retirou de Agosto, ou até do tempo, sei lá. Agosto que me trouxe bons auspícios e me achegou companhias de tanto ano; e propiciou-nos o reconhecimento como se viéssemos de ontem, na certeza de até amanhã. AMIGOS.
Entretanto, senti que Agosto esboroava, como a grávida deve ter sentido os primeiros movimentos da criança: nada podíamos contra a natureza. Como usa dizer meu primo, no pasa nada. São apenas dois meses, um atrás do outro, assim consta no calendário.
Contudo, esmiuçando melhor, Agosto trouxe consigo uma lua ímpar que espreitei durante dias até atingir o cume de superlua, no que me suponho bem pouco original, imagino que grande parte da população do hemisfério norte assim a festejou. Faltou a abundância de dias quentes sem um agitar de asa ou roçagar de saia, e tampouco sofremos o sufoco de noites esbraseadas e quietas, a terra numa exalação transpirada, adivinhando já a torreira gemebunda de todos os seres sob a canga do sol. Não houve o toque em móveis e niquelados mornos como se um fogo lento os consuma e entre por madrugadas exaustas. Faltou o calor que cansa sem motivo, as pernas que pesam, o suor a empapar camisas, soutiens e mais lingerie que, podendo, se aligeira, pudores sem voz que os salve. E há as casas de brancura a espargir na campina, cerradas como cubos, densas e dolorosas ao olhar, herméticas. Pelos caminhos do alcatrão que derrete e se agarra aos sapatos de quem ouse, rosnam brevemente os ares condicionados de um mundo a quatro rodas. E é só. Nada do som das fontes que não há, nada de verdes vibrantes. A natureza, para sobreviver, pende e semi morre.
Por mais que o verão se tenha feito outro de si mesmo, qualquer alentejano é grato a essas noites fora da sua natureza, seguro contributo para a ilusão do verão que não houve e, pensávamos, viria ainda. É óbvio que os dias de praia, à luz deste Setembro sem disfarce, me surgem de estreiteza tamanha. Quando o presente devém passado tudo se altera: no mundo natural como no humano. Deixa-me pena a água que tão pouco me recebeu. Saudade levei, saudade trouxe. Que no último dia lhe senti a despedida nos cambiantes: perdida a tonalidade azul-anil coloria de um meio verde escurecido. Foi Agosto (custa dar ao meu mês um pretérito). Não havia ainda o crocitar das gaivotas exigindo a retoma, asas rasando a areia, espera paciente pousada junto às dunas enfeitadas de cardos marítimos, beleza arroxeada e tão nefasta ao toque como boa para os olhos.
Quem é Setembro? Não é ainda Outono, mas já se prepara e lhe segue as pisadas. A luz enviesou, os dias encolheram e talvez as cegonhitas da beira-de-estrada estejam de partida. No último dia estavam em seu poiso, quem sabe se intuindo a despedida que eu recusava; ou, em versão mais prosaica, os dias encurtaram e, donas de casa diligentes, preparavam a cama.
Talvez no final do mês recomece a natação. Talvez seja aceite em alguns cursos, talvez tanta coisa que inda não sei e pode acontecer. Subtraídos dois dias, Setembro é quase todo futuro, um mês de incógnitas. Vou esperá-las com calma, a idade não me permite grandes alentos e nem já estou por eles.
Bem vindo Setembro! (enquanto escrevia o texto mudei de opinião; da ex grávida não tive notícia:)).
Nota: O uso de maiúscula no mês é propositado.