Não sei que agradável dor nos invade às primeiras chuvas do verão que, tranquilo, se despede. Este é o tempo em que deslizam rosto abaixo doces lágrimas de nuvem, alegria líquida e mansa que nada iguala. E se a cinza do céu é desejada, a melancolia, essa, infiltra-se sem apelo por toda a fresta humana. Como se o ar a produza ou apenas cumpra o destino, satisfaz os deuses descendo sobre a tristonha penumbra que aterrou na manhã. Os domingos são dias desabitados, salas vazias e sem voz que lhes quebre o jejum. São os dias do Senhor, razão suficiente para que nunca nos pertençam, somos visita sempre tolhida e estranha. Estamos neles sem à vontade, abúlicos, canhestros. uns monos. Dos domingos aproveita-se o descanso e pouco mais.
Lá fora, a poeira assentou e nos campos os animais retoiçam com vigor redobrado, o cheiro a terra molhada a entrar-lhes pelas ventas. O gado gosta de chuva, não se constipa, não resfria.
A cidade é flor suspensa em hipnose de vácuo, quieta, isenta de som. Quem sabe a rotação e translação da Terra, arrastando fadiga de séculos, também descansem nos domingos. Não há o tracejado de uma conversa de passagem, ruídos de quem bole pelos quintais, um motor que acorde a estrada. Que mistério guia as manhãs de domingo e as faz tão silenciosas.
E o que acontece dentro das casas, por detrás dos olhos fechados das janelas?! Muitos aproveitam e dormem, descansam; abençoado seja o seu sono. Há os que fazem o amor de domingo, com tempo e bom humor; e benditos sejam por conservarem e animarem a chama. Mas há os que não têm domingo, trabalham por turnos e folgam quando calha, fingem domingos às quartas ou sextas feiras, a vida gira-lhes ao contrário da outra gente; oxalá se habituem ou apenas encontrem novo emprego, sem diacronias com o resto do mundo. Alguns estarão a ler, outros no telemóvel ou nas redes sociais a cuscar. Muitas mães estão a pé ou já estiveram – puseram a máquina da roupa a lavar, alimentaram os animais, fizeram uma sobremesa, engomaram as peças que os filhos desejam vestir. Há os que velam, são os anjos da guarda dos humanos. Não são bombeiros de piquete, nem médicos de Banco, nem trabalham por turnos. São os que dormem pouco e contam as horas até ser manhã; pensam-se talvez inúteis, mas a inutilidade de uns é a utilidade de outros. Eles formam a teia protectora que abriga e mantém os adormecidos deste mundo. O seu desejo de adormecer condensa no sono dos outros.
Mais um fim-de-semana e mais um tufão em Macau.
ResponderEliminarComeça a ser tradição.
Boa semana
Não queremos cá tradições dessas, Pedro.
EliminarBoa semana e cuidado convosco
Um domingo. As primeiras chuvas deste outono (que ainda nem outono é) e que bom o cheiro a terra molhada e os jardins regados e o ar limpo e os frutos a crescerem. E que bom foi ler este seu texto com um relato tão emotivo que me pareceu estar a ver tudo o que escreveu. Obrigada minha Amiga Béa.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
O outono quis vir antes, talvez por ter reparado que a sua congénere primavera quase não nos deu um ar da sua graça. E pensou, "antes que me façam desaparecer, vou fora de tempo, agora mesmo, se ninguém me espera, a expulsão está fora de causa". E aconteceu ser outono no verão. Que bonito!
EliminarObrigada, Graça. Bem haja pelas suas palavras.
Um abraço e boa semana
Eu gostei da chuva, para acalmar os incêndios e os pós malucos que andam por aí. Já não se aguentava.
ResponderEliminarCláudia - eutambemtenhoumblog
A chuva é o bálsamo que lava a Terra, mas é incapaz de lavar a maldade humana, Cláudia.
ResponderEliminarTambém gostei da chuva. Pela necessidade. E por ser chuva.
Um abraço
Que belo texto com um toque outonal!
ResponderEliminarSou mulher que adoro o aroma que a terra molhada nos brinda na mudança de estação! 👏😘
O cheiro a terra molhada é muito salutar. Tão antigo e existe, possivelmente igual ou parecido, desde tempos imemoriais. É maravilhoso descobrir o odor da terra.
ResponderEliminarBoa semana, Gracinha
Custa-me muito despedir-me do Verão, ainda que este ano menos pois as altas temperaturas não deixam ninguém confortável, nem a mim que gosto de calor. Também gosto destes cheiros outonais, não obstante a minha ambiguidade. Linda esta descrição das mais preguiçosas manhãs da semana (para quem pode).
ResponderEliminarE então eu...nem falar. Não gosto do outono e ainda menos do inverno; claro que existem em ambos coisas a que me apego e que procuro para não murchar de todo. Este verão foi inesquecível pelo calor e por tanto extra que aconteceu e não fazia falta. Estamos a assistir - e a participar passivamente - a um mundo que enlouquece cada dia mais.
EliminarQue bem que me soube "Esta Manhã de Domingo"!
ResponderEliminarDescreves tão bem a atmosfera de um final de Verão/ princípio de Outono, bem como o contraste "do que se passa dentro das casas por detrás dos olhos fechados das janelas"... Poesia pura! B.F.S. Bea!
Hoje ainda é só 4ª:). Mas oxalá o fim de semana seja amplo e bom para nós duas, Prosa.
ResponderEliminarTu és sempre tu, Prosa. Obrigada também por isso:)
Não, nunca gostei do Verão. Apenas gostava por nunca ir de férias em Agosto e cidade estava mais calma. Ultimamente, com as graves notícias, nem descansadas estamos, a mente ferve e não só do calor.. Sou um animal de hábitos nocturnos, é nas sombras dos fins de dia que me (re)conheço. O que não quer dizer que, durante décadas, não estivesse pronta para ir trabalhar às 7 ou 8h da manhã.
ResponderEliminarSobre o poema que referiu, não o conhecia e gostei muito, da tabuinha de cera onde se inscrevem memórias de doçura, apropriado. Bettips
Tanto que eu gosto do verão! Pertenço-lhe.
ResponderEliminarE sim, o mundo já não nos deixa apenas perplexos e desgostosos.
Os dias esgotam-me, falta-me a energia para ser nocturna. Levanto-me a dizer "tomara que seja noite para me deitar". As noites pouco me exigem e posso fazer o que gosto, embora nunca por muito tempo. Digamos que nelas mora o meu período de recreio. Mas o melhor será sempre sentir-me adormecer, bem que pouco nos lembramos de agradecer e não beneficia todos por igual.
Esse é um dos poemas de Sophia que me marcaram. Um amor a sério deve ser mais ou menos assim. Embora a poeta tenha escrito vários dedicados a Antínoo.
Bom fim de semana, Bettips
E pronto, lá aprendo eu mais uma migalha dos gostos que também tenho... Obg Bea, Bettips
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