É
Natal quando os amigos se lembram de nos visitar. Nesse dia de encontro é
sempre Natal. Ora tenho uma amiga de
quem me sinto um pouco mãe (verdadinha). É uma amiga especial como especiais
são todos os meus amigos, cada um na sua especificidade. Mas também porque a
conheço desde os seus quinze anos e lhe acompanhei a vida. Em boa verdade, é quase
sempre ela que liga e visita. Não vive por perto e nunca fui a sua casa. Mas
partilhou comigo gostos e desgostos,
apresentou-me o namorado, soube do casamento. E do rebento a espigar que hoje
me visita com ela. Não tenho opinião
fundamentada sobre a sua personalidade, só sei que gosto dela. Muito. Gosto
quase como se fora minha filha e estou incomensuravelmente grata por não me ter
esquecido; afinal, era jovem quando eu roçava a meia idade. Aturdo se adoece,
fico ansiosa se um problema familiar a aflige. E escuto-a em intermináveis
conversas telefónicas, o que me espanta. Detesto telefonar e receber chamadas,
mas fico parvamente a escutá-la e dizer
pois, sem dar pelo tempo. Toda contente. É que gosto mesmo dela. Conta-me tudo
que lhe apraz e apetece, precisa conversar. Não sobre grandes temas; não para
fazer confidências peludas; não por necessidade de se internar em intimidades.
Precisa falar do trivial, do emprego, das colegas, da família, dos amigos. Do que
pensa e porque o pensa. E o seu modo de pensar tem voz e orgulha-me que ela seja assim, tenho um bocadinho de fé em que talvez eu tenha contribuído para a
voz que tem. É isto que fazemos se nos juntamos.
E
é certo que lhe preparo o ninho. Faço um doce e um bolo, um almoço que agrade
ao garoto (carne, carne), uma salada mais cuidadosa e variada, apronto a fruta,
ajeito as flores nas jarras, espreito as toalhas no WC, miro a sala, aqueço a
casa. E hoje, porque é Natal a sério, junto as prendas da família. No final da tarde, fazemos
a troca de presentes. Depois fico a acenar e a vê-los desaparecer rumo à vida
que lhes pertence.