O outono ama ser precoce. Chega nas folhas que amarelecem, na aragem que desceu um tom, nos dias que encurtam a olhos vistos. Lento e inexorável, vai assentando. Já olhei a inútil tristura das calças sem sentir calor (pobreza dos que as não largam seja verão ou inverno) e começa a apetecer-me a ideia do tricot e dos programas de rádio. Mas não estou cheia de praia. Recuso a imagem de mar outoniço, não quero mudança na água nem que as gaivotas se assenhoreiem do areal e sobrevoem os banhistas, a posse gritada no vento. Quero ainda as águas calmas de ondas sussurantes e o intenso prazer da pele. A liberdade. E o azul, o profundo azul, o azul em cambiantes de céu e mar, esse mar por que morro ano inteiro e me ressuscita em cada verão. O verão que é de tudo e tão pouco meu, mas que, o quanto me pertença, é no mar que o viverei.
Cumpridos os protocolos a que a estação obriga, e mais aqueles que me estafam mas gosto, a praia foi ficando para trás. Portanto, passado o período de azáfama, decidi dar-lhe/me uma semana (na verdade apenas quatro dias). Grande ideia. Aproveitei os calores excessivos (isso mesmo) e fui, diária e contente, até à praia. Uma alegria. Bastava pensar que, desde a manhã ao quase noite, estava por minha conta, emigrava para o elemento que me faz sentir viva; e, a esta certeza, logo o bem-estar me alagava. Fui beneficiada por um conjunto de factores: tempo formidável (na praia corria uma brisa e estava muito menos calor que no coração amodorrado do meu Alentejo), água na temperatura certa, livros para ler, e companhia umas vezes sim e outras não. E mais a presença de uma sereia que se baralha nas questões da lateralidade e portanto tive de ir buscá-la ao caminho - já seguia desarvorada e tonta no sentido oposto. Mas como valeu a pena. Fica-nos na memória esse dia de banhos e conversa.
Que despautério, como é que o outono se atreve a chegar tão cedo, as cegonhas ainda nem abandonaram os ninhos. Vazios, eles entortam como se a solidão lhes pese e esguedelham em desânimo que se nota da estrada. O reconhecimento desse vazio absorvente mergulha-me em melancolia e sinto que é chegado o tempo de guardar dentro de mim o caminho da praia. Ora, nada disto aconteceu ainda.
Este ano, a mente traz-me a vozinha breve de uma menina graciosa, um patinho posto em fato de banho de folhos. E trauteava, sozinha e em solilóquio compenetrado, um pedaço de cantiga (talvez ensinança de avó), "o mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz...o mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz...". Que doçura!