É
um dia depois do outro. E assim. Num dia estou nas urgências hospitalares (não
contigo, felizmente); e no seguinte te festejamos. Ter 89 anos é obra, neste
momento não existe na terrinha quem se te compare em longevidade, és um campeão,
sempre foste, no bem, no mal, no assim-assim. O nosso campeão.
Tudo
vais deixando pelo caminho. Já quase perdeste o andar e a idade também te
obrigou a pôr de lado a bicicleta. Deslocas-te de automóvel a ver gente, tomas
o teu pequeno almoço e lês o jornal. Para além desse agasalho de quatro rodas na
dependência de periclitante atestado, agarras-te ao bordão e, diariamente, travas
batalha pela manutenção das pernas, caminhas esforçadamente. As laranjeiras, de
certeza tão ou mais tuas filhas que nós, estão a habituar-se – mal - a mãos de
boa vontade, menos sábias e isentas ternura, estranhas, tenteando cumprir. Triplicaste em single o tempo que permaneceste em doble. E
conservas a tua marca: embora te canse mais e quadripliques os perdigotos, o
mau génio assola-te o sentir, os gritos rompem-te o mutismo mal desconfias que
alguém ousa tirar-te poder ou te engana. Não és, nunca foste, homem de
ternuras. Jamais te surpreendi um gesto terno ou beijo a descaso – ou a caso.
Tudo escondeste. Sempre. Não te vi beijar ou abraçar quem fosse. Assisti-te o
choro uma única vez por morte súbita do irmão mais querido. Acredito que tenhas
chorado pela companheira que perdeste – com e sem lágrimas –, mas apenas te
vislumbrei os olhos húmidos na despedida. Pouco te queixas, agarras-te à vida
com a força de raiz aprumada e vencedora que os anos afundaram até onde.
E
hoje, hoje mesmo, és o vitoriado vencedor. E nós quatro seremos o brinde que
mereces, um de nós sempre na dianteira, mais brinde que tudo o resto. Mas isso é de somenos. Brindemos. Na mente tenho a tua breve queixa de vez única e a propósito de um neto, um
desabafo de voz embargada “custa muito viver sozinho, eu é que sei”. E no
silêncio que se seguiu havia tanto desalento como fundura de mágoa.
É
tudo vida. Faz parte. Cá estamos, não é? Juntos e a celebrar(-te).
PARABÉNS, PAI