Não
sei bem porquê, mas penso bastante nas pessoas que não gostam de cinema. E
penso ainda mais nas que gostam e raramente vêem um filme numa sala de cinema.
As salas de cinema são lugares mágicos. A gente senta-se e fica ali a salivar,
estilo ser desejante na expectativa de participar de uma boa história. Talvez
seja pelo gigantismo das personagens. Ou pelo fundo musical. O certo é que, mal
começa o filme, e sem que os personagens saibam, nos plantamos dentro da história. Creio
que sejamos os únicos a vivê-la na íntegra. Que os actores têm de representar
aos bocadinhos, quiçá sem sequência (quanto os admiro por isso). Dizem-me, ah, o
cinema é pura ilusão. Ora essa, e por acaso não é disso que vivemos. Pois se vivêssemos
apenas de realidade há muito nos tínhamos esganado uns aos outros e estava tudo
morto. Mas há um prazer a que, de modo geral, não fugimos, e é o de sair dela.
Uns bocadinhos por outros. Só para aguentar nova carga. Que a realidade pesa.
Oh, se pesa. Pronto, ok, há vários modos de entrar nesse mundo de faz de conta
e viver outras vidas (mas a brincar, sem perigo-danger, que não estão lá as
tíbias cruzadas e nem a caveira). Podemos ler, dançar (ou ver dançar), cantar
(ou assistir a quem canta), passear na natureza ou descobrir a arte humana em
galerias ou edifícios, sabe-se lá o que agrada a cada um. Seja qual for a forma,
a ilusão só é remédio se sairmos da comum realidade e vivermos nessa outra que buscámos.
É um mergulho. E depois ficamos lá, debaixo de água e, enquanto dura, somos
peixes. E nadamos.
Foi
mais ou menos assim que assisti o filme de Nanni Moretti, “Três andares”. Um realizador
que me agrada. Trata os conflitos por tu e possui a arte do quotidiano. A gente
nem se sente debaixo de água, os seus filmes centram-nos. Os factores secundários são átonos: ninguém lembra o mobiliário, os cortes de cabelo, a
beleza das actrizes, o modelo dos automóveis, a excelência da paisagem. Sabemos, isso sim, que as personagens tomam conta do enredo. Dão conta
dele.