É incrível que me perca eu em detalhes de museu tendo à volta tanta aguerrida guerra, tanto prognóstico, diagnóstico, elucubradas pseudosoluções, resmas de crítica exibindo fundamentos e saberes díspares, ou não fossem senão uma amálgama opinativa. Pois, mas acontece-me.
Ademais, andam as gentes augurando fins de um governo a começar, do mesmo modo que auguraram e trabalharam para o finalmente(!) do anterior. Ninguém nos serve, e parece que só o 25 de Abril conseguiu o passo em frente; no dia seguinte, análises e mais análises, e voltámos ao de sempre: a rotina briguenta entre esquerda e direita que agora é ultra, e a mim me parece outra coisa. Para que vou eu falar disto, se toda a gente fala e o diz melhor e também pior que eu, mas tenho certeza que não acrescento. Penso, aliás, que o problema é mais extenso e o mal mais entranhado, talvez mesmo irrestrito, sem retirar à bolha política a responsabilidade que lhe pertence ou devia pertencer. Se tenho esperança? No sentido em que espero sempre que melhoremos como país e como povo, sim, mantenho a esperança; mas creio ser problema pessoal, erro genético como tantos.
Proponho antes falar da beleza das jovens retratadas, lembro por exemplo uma que se faz acompanhar de um cão tal qual o Matrix que Deus tem; neste aspecto, pendo para Aristóteles, o meu céu está cheio de cães e gatos acompanhando os donos. E bastou rever o Matrix tão alegre como carinhoso, para a jovem me surgir linda. Verifiquei também que a moda não existe nos animais, passaram séculos e aquele quadrúpede era igualinho ao meu cão, enquanto eu, felizmente, não sou obrigada à tortura que devia ser o vestuário feminino. Revi várias jovens, já as vou reconhecendo em sua pose eterna, os mesmos anéis de cabelo sem mudança, olhos ainda esperançados. Que idade teriam. O mundo do retrato pictórico ama as jovens e também senhores ou senhoras importantes, mas quase punha a cabeça no cepo, assumo que os modelos juvenis seriam mais prazerosos de pintar. Intrigou-me o retrato de certo jovem vestido de negro e de nome Marco que se fez retratar com a mão pousada sobre um livro aberto e tendo logo acima, nuazinha, a reconhecível Vénus de Milo, tão decepada como pertence.
Dos tapetes que são pequenas e grandes maravilhas se as contarmos ao metro quadrado, digo que gostei sobretudo dos mais gastos. Quantos pés por ali avançaram e talvez que nenhum do povo, razão para me debruçar com mais interesse sobre os pequenos tapetes muçulmanos usados na oração: estão puídos no sítio onde ajoelhavam e prostravam cabeça e mãos. Terá passado por eles muita ficção orante, devaneios, planos macabros; mas também muita prece crente, muito pedido impossível, quem sabe se genuínas lágrimas (os homens também choram).
Continuando viagem, verifico não dar pela vigilância discreta. É verdade que as luzes apontam as pinturas e o mais que é de ver, mas sou grata a que não se levantem, perturba-me se algum se ergue e vem rondar feito sombra, "estou aqui". Ali, ninguém diz que está, e é como se não esteja. Só as obras têm voz. O exercício é olhar e escutá-las. Ali é o recôndito desejado, onde o visitante satisfaz o olhar e pensa diferente e distinto em cada vez.
O remate final: admirar e perder-me em Lalique. Objectos tão delicadamente bonitos! Requinte.
Depois? Bom, depois saio e dirijo-me à entrada principal. Desço para o amplo lugar que leva a anfiteatros e bar, procuro um sofá sossegado, descanso a eficácia das pernas e devaneio. Desta vez sofri uma interrupção assaz palerma: toca o telemóvel e, de chofre, a pergunta, "em 2013 qual era o teu livro preferido, tem oito letras". Dei uma gargalhada, pois não era anedótico?!