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que se transpõe o acesso ao interior da mesquita, o visitante desorienta. Inumeráveis e sumptuosas colunas encimadas
por arcos replicam-se em espaço a que não se vê fim. E isto bastaria para a fazer grandiosa. Mas há a harmonia de
conjunto, a cor festiva dos arcos que emparelham as colunas, todos vestindo riscas
mouras em vermelho e branco; e há a ordem grácil e profusa da floresta de colunas
de mármore. Para onde quer que a vista se expanda, os elementos repetem-se e
repetem-se sem cansar, cada homem sentindo-se o centro desse mundo. Talvez,
nos tempos de califado, a fé movesse quem por lá se adentrava. Hoje, ou pelo
número de turistas, ou por sempre assim ter sido, e à semelhança do que sucede
nas igrejas italianas, o quadro que se oferece suplanta o sentimento religioso.
A arte, pela sua natureza sensorial, invade quem imerge neste mundo de festa.
Na mesquita não ajoelhamos perante um deus, mas perante o espírito e as mãos
dos homens que conceberam e deram corpo a tanta maravilha. Nela, saudamos um
povo que na sua sabedoria incluía o belo, lhe dava enfâse, o entendia como
elemento constituinte do humano. Não é crível que espíritos criadores de tamanha
beleza, amantes e desenhadores de pátios
verdes, gente que amava os pomares, criassem apenas movidos por necessidades de
louvor religioso ou que o clima fazia prementes. Soa a cultura, educação, a gente
que aprendeu a pensar. É bom não esquecer que foram os árabes os primeiros a
traduzir e comentar os filósofos gregos da antiguidade. Nascido em Córdoba, Averróis
(séc. XII) traduziu e comentou Aristóteles e a cidade de hoje, reconhecida, erigiu-lhe
uma estátua. Na Córdoba do seu tempo, o filósofo nem sempre foi tão estimado e
terminou os seus dias no exílio. Mas, que os “infiéis” tenham ficado desta
forma na história, é uma maravilha. A quantidade de tempo que necessitam o
pensamento e a arte para triunfarem!
Quando
o espírito recupera da confusão e se situa, quando destrinça a beleza
alucinatória que o rodeia e entende que a repetição não é jogo de espelhos mas real, então pode
observar os rendados na pedra, distinguir os elementos cristãos, esmiuçar a
basílica onde se celebra missa e que, por mais rica e pesada, não ilude nem
assombra a leveza árabe. Ao invés, é esforço de afirmação que mais a
sobressalta. Mas já os olhos reparam, ao fundo, na riqueza brilhante do mirab (lugar que indica Meca),
orientando preces; na arte de dobrar o ferro e fazer dele um aliado que
alimenta a beleza do lugar; nas entradas de luz que a fazem tão leve e airosa
quanto no exterior parecia pesada.
À vista da mesquita, o Bairro da Juderia e a Calleja de las Flores são um quase nada, simples alfinete colorido. Lá atrás, a ponte romana sobre o Gudalquibir, pedra maciça e robusta nos seus dezasseis arcos, ri do tempo.
Ai quanto eu gostaria de ver presentes na
mesquita os dois cultos. Parece-me justo e natural que também os muçulmanos possam
orar em tão esplêndido lugar.