A sorte não me bafejou com uma fé inabalável. Cristã e católica, incluo-me, segundo algumas perspectivas, no grupo dos que, de vez em quando, não praticam um ou outro mandamento. Naquele grupo – ouvi esta afirmação na rádio – que é julgado de conveniência, quase um “assim também eu” pois assume o catolicismo mas desliga, aqui e ali, de alguns dos seus mandamentos. Teve a sua piada ouvir de um agnóstico, em jeito de mofa, qualquer coisa como “dizem-se católicos, mas também que não são praticantes” (não estou a ser fiel à textualidade da afirmação que entretanto esqueci). Ora, eu que isto ouvi, fiquei a repontar. Pareceu-me mal. Dir-me-hão que só abespinho por fazer parte de tal grupo. Nada contra o agnóstico – cada um assume o que mais lhe quadra e com que se identifica. Mas gostaria de apontar que os católicos não praticantes se dividem - pelo menos – em dois grandes grupos. O grupo dos “católicos só de nome”, ou seja, são católicos porque foram baptizados, casaram pela mesma igreja, fizeram em seu tempo de alunos catecismo e comunhão por obrigação escolar; para eles, de forma geral, a religião resume-se a tais actos simbólicos. E há um outro grupo, a que creio pertencer – que não olha igualmente para os dez mandamentos da sua igreja e nem lhes obedece de pés juntos; que até, perdoe-se o alarvismo, cumpre alguns interpretando-os. Mas se esforça. Que pode não “guardar os domingos e dias santos” ou seja, não frequenta as missas de domingo e dias santos e trabalha indiferentemente nuns dias e noutros. Se for uma mulher antiga como eu - velha, vá -, trabalha sempre porque o acumular de tarefas será pior para ela. Adiante.
Sempre me senti católica e não totalmente praticante com algum orgulho. É o mesmo que dizer que tenho algum orgulho nos “pecados” que assumo e são desobediência às leis divinas. E vem este senhor desmandar. O que não significa que ele ou eu tenhamos inteira razão. Por minha parte, advogo que não cumprir linearmente os mandamentos é humano e normal; sinal de que se pensa neles e, em circunstância, se opõe algum bom senso aos preceitos criados há mais de dois mil anos e supostamente entregues por Deus a Moisés. A mim me basta o primeiro mandamento “Amar a Deus sobre todas as coisas”. Se isto acontecesse, os restantes nove preceitos poderiam desaparecer; como dizem nuestros hermanos, “no hace falta”. Mas como alguém (Deus?!...) deve ter intuído que este mandamento é um ideal – e é mesmo -, tratou de informar mais nove corolários de ordem prática a fim de orientar a acção humana isenta de mal. Ora a grande verdade é que não somos isentos de mal, as leis divinas, por serem morais e um “dever ser” deixam-nos a liberdade de não as cumprir. Não me parece que deixemos de ser católicos por sermos humanos, a infracção faz parte de nós. E quem não tiver pecado, atire a primeira pedra. Quanto ao primeiro mandamento, transformo-o em “Amar os outros como a si mesmo”, coisa tão impossível como o que afirma a primeira tábua de Moisés. Mas é que não sei amar um conceito, pura abstracção. Os outros são concretos e sei o que fazer no sentido de. Mesmo se o não faço.
E é isto. Biépi.