Quando
tinha dezassete anos acabadinhos de fazer submeti-me a provas de admissão profissional.
As provas escritas não ofereciam dificuldade e o maior susto veio-me do exame
de matemática quando o garoto da frente se virou de súbito e me surripiou a
prova. À porta, num antecedente de nervos, tínhamo-nos entretido a gastar
conversa, eu reconhecendo a constante nulidade na disciplina, e ele na firmeza
convicta do seu valor e a prometer desviar-se
para me deixar copiar, coisa que não fez. Em vista do inesperado volte face, caiu-me
o coração aos pés. Obrigada a uma mudez petrificada, julguei que ia ser expulsa
do exame, que o professor tinha visto, que aquele estouvado esmagava de uma
penada o sonho da minha curta vida. Antevi o desgosto de minha mãe. Terei mudado
de cor, toda tremeliques e de olhos esparvecidos. Mas, com igual presteza, a prova foi
devolvida. Portanto, fui admitida a prova oral. Um suplício. Mas, bem o sabia, não
havia dispensas.
Ora,
na prova de História o professor – o mesmo que
vigiara o exame de matemática – perguntou-me a dada altura, olhos sérios por detrás das
grades dos óculos, quando foi implantada a república. Respondi apenas, cinco de
Outubro. Ele e eu a querermos saber de que ano. Mas, se ele sabia – e sabia –,
eu não fazia ideia. Então o senhor, assim meio trocista, comentou que a juventude
se desligava das datas importantes e fundamentais, mas sabia de modernices que
não tinham qualquer interesse. E eu muito séria e outra vez a pensar, vou
chumbar, vou chumbar, o meu pai dá-me uma sova e manda-me para a costura. E, em
simultâneo, a interrogar-me, mas de que modernices estará ele a
falar, talvez seja do uso da mini saia ou assim. Então, o professor precisou:
se eu lhe perguntar qual o título desse filme
desmiolado que está em cartaz, sabe. E desfechou, vocês sabem todos o
mesmo. E eu que só tinha visto dois filmes na vida, “O leão de Tebas” e “Tintim
e o mistério das laranjas azuis”, pensei que aquele senhor estava a anos luz da
minha condição. Porque eu não sabia em que rua ficava o cinema, ou o nome que
tinha. Portanto, sem lhe desvendar a extensão da minha ignorância, confessei a culpa, desconhecia o nome do filme. E ele incrédulo,
não sabe?! Eu, que não. Mas sabe o nome dos actores, a história, e já o viu. E
eu a negar, sem ideia de nada, excepto, vou chumbar, vou chumbar. Mas o senhor –
director da escola – queria instruir-me e, em simultâneo, pregar-me um sermão.
Que o filme se chamava Love Story e os personagens eram Ryan O’Neil e Ali
MacGraw e que era uma coisa nojenta e aberrante e cenas na neve de um por cima
do outro, porcas pois claro, e não sei quê que eram só maus exemplos, que não
deixara as filhas ver. E para finalizar, a tirar e pôr os óculos, num impasse, o
que hei-de fazer consigo que nem sabe da história antiga nem da moderna, não
sabe nada, a menina anda no mundo mas não se situa. E eu desimportada de não me
situar, numa aflição acutângula, chumba-me de certeza. Mas no interior
de mim, uma vozinha, então como é que ele sabe tantas cenas do filme se diz que
não viu ...
E
uma noite destas aparece-me o Título, “Love Story”. Decido, vou ver o filme. É tempo de saber o que tanto chocou o meu director.