No
fundo de uma rua de casas novas há uma casinha pequena, porta e duas janelas,
geminada com um barraco de não presta e quase tão gasta como ele. Não é uma
casa bonita. É lar de gente pouco abonada e, no acto de compra, estaria talvez para venda por morte de velhos
proprietários. Soube pela roupa
estendida no cubículo onde não cabe um canteiro, que tem mulher, homem, criança.
É roupa de pobre, sem um luxo ou garridice. A roupa acena diáfana no estendal
móvel ao rés da estrada, qualquer passante pode colhê-la sem desviar
caminho. Por detrás das janelas de
alumínio, há cortinados de franzido novo que me olham e empertigam, um
bocadinho de orgulho no cair, como a dizer-me, não somos bonitos, pergunta apenas
retórica, estão convictos da sua gomosa beleza. Em frente da casa, estaciona um
carro antigo, provavelmente de segunda ou terceira mão, usado para transporte de
compras semanais e para uma voltinha curta aos fins de semana. Não sei ao certo
porquê, mas julgo-a casa de imigrantes sem dinheiro. Passo–lhe à frente com muito
respeito e atardo-me nela como em nenhuma vivenda. Imagino o dinheiro contado
mês a mês até perfazer o preço da venda. A alegria estreante de entrar e dormir
em algo que é nosso, ganho a poder de tempo,
muito trabalho e poupança firme. A satisfação de um móvel novo este mês, um
cortinado no outro.
e mais
um trabalho extra que aceito porque o dinheiro se gasta quase sem querer e quem
saiba de mais uma horas eu ainda alinho. Se é ao sábado, vou na mesma que só
preciso de um bocado para a lida da casa e outro para as compras no super. E no domingo antes de missa também estou disposta.
É
assim que a vida acontece. Aqui, a casa é cofre de sonhos.
Nas traseiras já a
modificámos toda, temos a lareira que sonhámos desde o frio dos Invernos sem
aquecedor para não gastar luz, uma cozinha novinha em folha que não deve à das
senhoras onde faço limpeza; na sala, a salamandra aquece o garoto enquanto vê
os bonecos na TV. Para as obras, poupámos por mais de oito anos, que só no ano
passado as fizemos. E abrimos uma janela no sótão, o garoto há-de querer estar
sozinho com os amigos e tem ali uma bela sala.
E
hoje passei de novo. O estendal acenava e a porta entreabria. A senhora chegava
para recolher a roupa e cumprimentou, estendeu-me um boa tarde simpático e
sorridente, também algo orgulhoso. Decretei que é cabo verdiana. E invejei-lhe
o ímpeto de mulher feliz. Que Deus a proteja.