Estão mortas. Ambas escritoras e inglesas. Amaram-se na primeira
metade do séc XX. Dez anos mais velha, Virgínia foi a primeira a desaparecer e,
na altura em que foram apresentadas e não foram simpáticas uma à outra, Vita
era mais conhecida. Lidas as cartas, ficamos sabendo mais sobre a personalidade
das duas, embora só uma interesse realmente. Nas missivas, a prosa de ambas é arrebatada
e terna, culta e de extraordinária beleza. Acontece nos livros o que
acontece na vida, o amador e o ser amado vivem da relação. As cartas são a
história de um amor desde o princípio de simpatia mútua e possível atracção
posteriores aos primeiros contactos, até à paixão amorosa com tudo o que a faz
ganhar peso; mas Virgínia usa de palpável leveza e contenção. À fase da paixão
seguiu-se uma provável amizade que as juntou esporadicamente e de que não
existirão cartas. Vita terá continuado a borboletear vida fora. De Virgínia
pouco sei sob tal aspecto. Mas em tudo o sentimento amoroso me pareceu muito
igual a qualquer outro: ali estão a constância no desejo do outro; as pequenas
ternuras; a procura da intimidade não apenas física, há muitos encontros a sós
para almoçar, jantar, lanchar, e não apenas na casa de uma ou de outra; a
integridade peremptória de Virgínia que desde o início rejeitou presentes da
amante rica e de berço fidalgo, a par da sua fidelidade ao trabalho na editora
como fonte de rendimento. Porém, o certo é que Vita escreveu o que hoje se
chamariam best sellers e que a Hogarth Press passou a ser a sua editora. As
vendas permitiram aos editores a compra de um carro e outros artefactos que
decerto aliviaram as contas de Virgínia e lhe aligeiraram a vida.
Imagino que Vita foi mais em/para Virgínia que o
inverso. Mas que sabemos nós do que vai no coração dos outros. Talvez Vita
encontrasse em Virgínia uma espécie de pérola rara ainda fechada em sua concha.
Existiram. Houve um tempo que foi delas. Isso sabemos.
O
que a gente gosta nos outros, santo Deus. Virgínia tinha fascínio pelas pernas
de Vita, suspendia-se-lhe o pensamento (imagino) na sua vitalidade, colunas de
alabastro de onde o tronco emergia. Ambas lésbicas. Ambas casadas. Mas o amor é
sempre o mesmo, a homossexualidade só no acto físico se faz diversa.