Durante anos visitei com regularidade o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Penso que o descobri por mim, nem sei como; imagino que através de referências sobre as pinturas de Amadeo, por exemplo. Levei lá carradas de alunos. Gostava-lhe da situação e tinha preferência pelo serviço de restaurante. Envelheci com aquela gente: no princípio dominava em nós o tom natural de cabelo, sobrancelha, bigode (havia um senhor muito simpático e de bigode) e terminámos grisalhos ou atintados. Coisas. Não que os visse muito, mas havia naquela sala alguma coisa de familiar que me atraía. Seria a simpatia na recepção, a qualidade do atendimento que não se eximia de sugerir se nos descortinava indecisão, o conforto de mesas e cadeiras, a cultura de falar baixo, a diversidade de pratos quentes e frios, os sumos naturais e a variedade de sobremesas, a eficiência delicada na retirada de tabuleiros. E, lógico, a qualidade de tudo. Ali estive com amigos(as) e tanta vez só, para lanche ou almoço. Próximo do meu local de consultas e de um cinema, havendo tempo, passava para olhar o verde no meio da cidade, sentir o trânsito lá fora, sentar-me num banco a contemplar a vida em câmara lenta, o cheiro a relva molhada oferecendo certezas simples. Todos os sentidos à superfície. Só depois rumava ao destino, alma leve.
Amei com vigor o museu, vulgo CAM. Quando a entrada era gratuita para professores entrava sempre e geralmente ficava-me pela primeira sala. Sentava-me a olhar os quadros de Amadeo e o fabuloso retrato de Pessoa axadrezado em vermelhos, branco e negro, divina pintura de Almada Negreiros. Fazia-me bem ao espírito contemplá-los. Punha um pé na Gulbenkian e o meu eu diário suspendia.
Entretanto, aconteceram as obras no CAM e o covid, amplas restrições aos passeios pela Gulbenkian. Não que os deixasse de todo. Mas o ponto que mais me interessava manteve-se demasiados anos encerrado ao público. Vi exposições no museu do edifício principal, assisti a concertos e conferências, sentei-me no mesmo banco a observar o vagar com que a vida por ali se derrama. E os muros altos continuavam a cercar o CAM. Até que foi notícia de telejornal: o CAM reabrira. Não fui a correr. Sou a cada dia mais conservadora e saudosista, parou-me o receio de não gostar da célebre pála e nem do resto. E depois fui adiando, adiando, quase até ao esquecimento. Adiei tanto que deixei mesmo de passar nos jardins de que tanto gosto, tenho devoção contemplativa por Gonçalo Ribeiro Teles um dos criadores daquela maravilha. E nem é preciso citar que o senhor Gulbenkian tem lugar cativo no meu coração.
Bom. Há cerca de dois a três meses enchi-me de coragem e fui ao Centro de Arte Moderna. E sucedeu o que pensara: não achei que a célebre pála merecesse o dinheiro que ali se gastou. Mas pronto, está lá, tem um ar moderno, deve ser obra de arquitecto iluminado. Espreitei o restaurante. Oh! Perdeu todo o ar familiar. Ganhou individualismo minimalista e perdeu em qualidade. Talvez tenham um chef ou algo parecido, mas espreitei as iguarias e não só não apareceram, como faltava sedução aos arranjos(taças de inox?) em que se encontravam alguns alimentos. Bom, junto à janela panorâmica ainda há resquícios de antigamente (para os saudosistas), mas tudo ocupado. Da empresa e da simpatia eficiente dos funcionários de antes não há sinais. O mundo está sempre a mudar. Aceito. Só receio que esta actualidade severa e cool não deixe memórias. Mas a minha amiga dilecta está encantada com a mudança e mais sua beleza; portanto, será inadaptação da minha pessoa, cuja perdeu um lugar de almoços e lanches. Paciência.
O mais que me aconteceu conversamos noutro dia.
Mudanças que muitas vezes não conseguimos perceber, muito menos aceitar.
ResponderEliminarBoa semana
Mudanças desta natureza temos de as aceitar: o CAM mudou. Ponto. Digo eu que poderia ter mudado preservando alguns ícones. O restaurante que encontrei é quase radicalmente diverso do frequentado. São dinâmicas e concepções do serviço de restauração opostas, julgo. A escassa frequência aglomerava junto à janela panorâmica que felizmente conservou - no anterior havia quase sempre fila. Acerca de preços e qualidade nada sei. O ambiente não propiciou o meu apetite.
ResponderEliminarBoa semana, Pedro
A única coisa que até ao dia, vi na Gulbenkian, foram os seus jardins. Nada mais.
ResponderEliminarMas tenho curiosidade de ir lá ver alguns concertos.
Mas tenho que lá levar o pequeno, quando ele for mais crescido :)
Cláudia - eutambemtenhoumblog
Uma calma beleza perpassa naquele jardim. E tem sempre várias crianças pequenas com avós, mães, amas....por vezes fico a ouvi-las tagarelar - e a dar razão a Pessoa. De outras surpreendem-me os bebés que ensaiam os primeiros passos titubeantes patinhos em seu rabinho de fralda.
ResponderEliminarBoa semana, Cláudia
Hoje faz-se para "as multidões" por isso é tudo tão grande e apelativo! Tenho de regressar ao museu em Lisboa! Um 🫂
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